A não incidência do ICMS sobre transferências (operação entre dois estabelecimentos de uma mesma empresa) foi recentemente reconhecida pelo STF no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49 e terá eficácia à partir de 2024 (com modulação de efeitos desde 2021).
Na ação, foi decidido que, no caso de não haver regulamentação dos Estados neste novo contexto, seria resguardado o direito dos contribuintes transferirem créditos relacionados às operações.
A questão afeta principalmente operações interestaduais, uma vez que a transferência interestadual sem incidência do ICMS levaria a uma cobrança integral no destino, ausentes instrumentos para a transferência de créditos. A discussão se relaciona, ainda, a inúmeros assuntos (e cobranças em andamento) envolvendo determinados planejamentos fiscais, acúmulo de créditos e guerra fiscal, entre outros.
O Convênio ICMS 174/23, publicado hoje (01/11/2023), representa a etapa inicial desta regulamentação, que passará pela internalização de seus dispositivos à legislação de cada Estado (e DF). Destacamos os seguintes pontos do Convênio:
- a transferência de créditos é obrigatória e se dará mediante lançamento a débito pelo remetente e a crédito pelo destinatário;
- a proporção do crédito transferido seguirá as alíquotas interestaduais atualmente existentes;
- eventual acúmulo de créditos por parte do remetente se submete às regras gerais de seu Estado;
- o valor transferido deve ser destacado em NF normalmente;
- a base de cálculo segue sendo o custo, com as mesmas reduções previstas para operações entre empresas diferentes, inclusive nos casos de isenção ou imunidade;
- a transferência do crédito garante ao remetente a manutenção do valor correspondente a operações antecedentes; e
- a transferência do crédito garante a manutenção dos benefícios concedidos pelo Estado de origem, ressalvado que as hipóteses de estorno de crédito deverão ser registradas como débito.
À primeira vista, nos parece que a intenção do CONFAZ é conferir às transferências tratamento idêntico ao aplicável às operações entre contribuintes diferentes, o que representaria um retorno de fato à situação original (pré-ADC 49), em que as transferências eram tributadas normalmente.
Contudo, vislumbramos inúmeras possibilidades de questionamento dessa nova sistemática, a começar pela indagação sobre um possível descumprimento disfarçado da decisão do STF. Dentre as novas frentes de discussão, destacamos:
- Poderia ser obrigatória a transferência de créditos? A transferência como faculdade abriria margem para planejamento destinado ao consumo de créditos acumulados, uma carga tributária oculta que afeta diversos contribuintes.
- É legítimo que a transferência de créditos esteja sujeita à mesma disciplina das demais operações interestaduais, tributadas com as discriminações existentes entre regiões do país e mercadorias importadas? As Resoluções do Senado Federal são constitucionalmente previstas para definir alíquotas de operações tributadas.
- As regras existentes sobre aproveitamento de créditos acumulados amparam contribuintes nesta situação?
- As multas sobre ausência de destaque do imposto devido são aplicáveis?
- As regras da Substituição Tributária permanecem aplicáveis?
- Há que se falar em isenção ou imunidade em uma transferência, que foi definida pelo STF como não sendo uma operação, para fins de ICMS?
- Qual é a penalidade para a não transferência dos créditos?
- Há fundamento para cancelamento de créditos, ou cobrança pelo Estrado de origem, no caso de sua não-transferência?
- Há quebra de diferimento?
- Há necessidade de adaptação de toda a legislação relativa a benefícios fiscais?
Nosso time se encontra à disposição para tratar destes e de outros pontos que podem provocar consequências materiais na apuração e recolhimento do ICMS.