No final do ano de 2019, a China emitiu o primeiro comunicado sobre o surgimento do vírus Sars-Cov-2/Covid-19, popularmente conhecido como “coronavírus”. Diante do aumento no número de casos e sua disseminação global, recentemente a Organização Mundial da Saúde -OMS decretou pandemia do novo coronavírus – gerando reflexos na economia mundial.
A pandemia do coronavírus fez com que governos anunciassem diversas medidas (políticas públicas) para tentar conter a disseminação global da doença, o que recentemente passou a ser adotado por algumas autoridades brasileiras.
O que fazer neste momento, ante a ausência de estabilidade do mercado? Como medir os danos, prejuízos e impactos no seu negócio?
É fato que as relações contratuais (em geral) poderão ser afetadas com a transmissão sustentada do coronavírus, com reflexos jurídicos imediatos às partes contratantes, em razão da desaceleração global da economia e eventual impossibilidade de cumprimento e/ou revisão de determinadas obrigações pactuadas, sob o argumento da ocorrência de evento de força maior – nos mais diversos segmentos, com impacto direto nas relações de consumo, operações de M&A e investimentos em geral, contratos de seguro, contratos bancários, contratos administrativos, mercado de capitais, dentre outros.
É importante, entretanto, que tenhamos cautela na avaliação das peculiaridades de cada relação contratual supostamente atingida pelo efeito desta pandemia, especialmente em vista da racionalidade dos agentes quando da formação dos contratos (discussão acerca da assimetria de riscos x custo de transação) e o consequente tratamento dado por diversas jurisdições, como forma de se evitar condutas oportunistas.
- ASPECTOS CONTRATUAIS
(i) Contratos em geral
Em relação às possíveis consequências jurídicas decorrentes da proliferação do coronavírus, em que pese nosso ordenamento jurídico preservar o princípio do pacta sunt servanda e boa fé nas relações privadas, tendo as partes ampla liberdade para pactuar regras específicas de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos – com a mínima intervenção estatal, o Código Civil Brasileiro, Código de Defesa do Consumidor e demais diplomas legais contemplam hipóteses excludentes de responsabilidade no cumprimento das obrigações contratuais, o que inclui eventos decorrentes de fatos imprevisíveis (i.e., força maior), bem como a possibilidade de modificação das obrigações originalmente pactuadas decorrentes de fatos supervenientes, que gerem uma onerosidade excessiva para uma das partes, ambos dependentes da respectiva comprovação da relação de causa e efeito.
Ocorre que, eventual isenção de responsabilidade no não cumprimento de obrigações contratuais decorrentes de força maior e/ou revisão contratual por onerosidade excessiva está atrelada, dentre outros requisitos a serem verificados pontualmente, (i) à natureza jurídica da obrigação assumida no contrato e reflexos relacionados (i.e., contrato de execução continuada); (ii) à impossibilidade de cumprimento da obrigação ser acarretada diretamente pelo fato inesperado; (iii) às partes não incorreram em culpa para o surgimento do fato imprevisível; e (iv) ao fato ocasionado por evento de força maior ser inevitável e superveniente à celebração do contrato.
(ii) Operações de M&A
No âmbito de contratos de M&A e demais contratos de investimento, é muito comum a estipulação de cláusulas que possibilitem a não concretização da operação ou o desfazimento de determinado negócio jurídico por uma das partes, sem a incidência de penalidade, na ocorrência de evento que altere substancialmente as bases e/ou premissas originalmente acordadas, denominadas cláusulas MAC (material adverse change) ou MAE (material adverse effect).
Visando evitar discussões sobre sua a interpretação do evento imprevisível, é aconselhável que estas cláusulas contenham uma redação clara e objetiva, a fim de elencar da forma mais exaustiva possível as hipóteses de alteração substancial das bases da operação, com o objetivo de afastar a adoção de conduta oportunista por uma das partes para se furtar do cumprimento das obrigações originalmente pactuadas.
(iii) Relações de Consumo
Já no tocante aos contratos decorrentes de relações de consumo, a ocorrência de força maior pode igualmente ser considerada um elemento para a exclusão de responsabilidade por parte do fornecedor, sem prejuízo da adoção de medidas para atenuar os prejuízos incorridos pelo consumidor. Ainda, o Código de Defesa do Consumidor permite que as obrigações desproporcionais e porventura abusivas, decorrentes de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, possam ser posteriormente modificadas, como a cobrança de multas pelo cancelamento ou modificação de serviços e/ou produtos anteriormente contratados.
Deve-se levar em conta, ainda, no tocante às relações de consumo, o disposto em normas e resoluções específicas, conforme o produto ou serviço contratado, como as regras da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), para a contratação de transportes aéreos, as normas específicas do Ministério da Educação (MEC), para contratos educacionais, as normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), para os contratos de planos privados de assistência à saúde, as normas da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), para os contratos de seguro, dentre outros.
Independente da natureza da relação contratual existente é extremamente recomendável a adoção de medidas que visam reduzir os prejuízos das partes contratantes, sendo imprescindível a cooperação recíproca das partes para um resultado coerente e condizente com o atual contexto global, tendo o operador do direito papel fundamental para reduzir ao máximo as incertezas e lacunas existentes nos instrumentos firmados, tornando a relação jurídica das partes estável, equilibrada e sustentável, de acordo com o bom senso e levando em consideração os interesses da coletividade.
- ASPECTOS TRABALHISTAS
Em relação aos reflexos decorrentes da proliferação do coronavírus nas relações de trabalho, os empregadores devem estar atentos acerca de algumas medidas que são recomendadas pelas autoridades públicas e outras previstas em lei.
(i) Prevenção nos locais de trabalho
Muito embora a Lei nº 8.213/91 não considere a doença endêmica como acidente de trabalho (art. 20, §1º, letra “d”) e, nessas condições, possa-se incluir a pandemia do Covid-9 – principalmente nas cidades em que a contaminação já seja considerada “comunitária”, o empregador é responsável pelo meio ambiente do trabalho e dentre as obrigações está a redução de riscos para os empregados. Prover medidas de higiene nos locais de trabalho e estimular os empregados a adota-las está entre as medidas desejáveis.
Reuniões nos locais de trabalho deverão ser restritas ao mínimo possível, adotando-se reuniões por videoconferência por meio de aplicativos como Skype, WhatsApp, Zoom e outros.
(ii) Adoção do trabalho remoto
As autoridades públicas já estão recomendando a adoção do teletrabalho (home office e/ou trabalho remoto) nos grandes centros. Havendo a possibilidade de o empregado desempenhar suas atividades de casa, o empregador deve estimular a sua utilização. Para tanto, recomendável a existência de política interna ou a formalização de um aditivo contratual, prevendo as condições em que esse trabalho será realizado. As regras previstas no artigo 75-A, da CLT, poderão ser questionadas, já que se trata de adoção extraordinária do regime e não da regra contratual. Logo, empregados sujeitos a controle de jornada deverão continuar elegíveis ao recebimento de horas extras, cabendo ao empregador estabelecer a forma do controle de jornada.
(iii) Viagens nacionais e internacionais
Muitos países estão fechando suas fronteiras e as empresas aéreas, seguindo recomendações, estão cancelando os voos. O empregador deve seguir as recomendações das autoridades e, se possível, cancelar as viagens de seus empregados, substituindo-as pelas reuniões por meios eletrônicos.
(iv) Empregados com sintomas manifestados
As empresas devem solicitar aos empregados que informem qualquer condição de saúde anormal. Empregados com sintomas típicos do coronavírus devem permanecer em casa ou procurar atendimento médico, conforme instruções das autoridades públicas. O simples aparecimento dos sintomas gripais não indica que o empregado está incapacitado para o trabalho e apenas empregados que estejam com atestado médico deverão ter suas ausências abonadas. Casos confirmados da doença devem ter ausência abonada, como com qualquer outra doença incapacitante. Nessa situação, o trabalho remoto não pode ser exigido.
(v) Atividades empresariais – paralisação
A depender da atividade empresarial, a crise poderá representar prejuízos ou oportunidades. Em havendo situações de paralisação de atividades, as empresas possuem algumas alternativas para adequar-se ao momento, que passam por suspensão dos contratos de trabalho (lay-off), redução de salários e jornadas, férias (coletivas ou individuais), licenças, dentre outras possibilidades. A redução de salários na forma do artigo 503, da CLT, assim como a adoção das medidas citadas acima, prescindem de uma análise jurídica pormenorizada de cada caso concreto, de modo que recomendável que a empresa busque avaliação jurídica antes de implementar quaisquer alternativas ao negócio que envolvam seus empregados.
As equipes do escritório Salusse, Marangoni, Parente, Jabur advogados estão à disposição para os esclarecimentos necessários.